Um Deus com três rostos - Reflexões sobre o mistério central do cristianismo




Fonte: Apologética.org
Autor: Fernando Renau
Tradução: Rogério Hirota (SacroSancttus) em 10/Mar/2008


A confissão de um único Deus em três pessoas, Pai, Filho e Espírito Santo é o mais profundo do cristianismo e o ponto original da concepção cristã de Deus: e é precisamente esta visão trinitária de Deus que distingue o cristianismo de outras religiões monoteistas como o judaismo e o islã. A denominada Santíssima Trindade é considerada pela Igreja como "o mistério central da fé e da vida cristã", mistério considerado "inacessível somente pela razão". Estas dificuldades para compreender o mistério tem causado frequentes opiniões céticas por parte inclusive de alguns cristãos de boa fé, na qual essa confissão trinitária de um Deus com uma única natureza mas com três pessoas distintas seria uma especulação alheia de monges e teólogos e sem nenhum tipo de consequência prática. O que se esconde atrás da confissão trinitária? É possivel que esta doutrina transmita algo ao homem do século XXI?

A afirmação trinitaria de Deus aparece em práticamente todas as traduções do Novo Testamento. A encontramos em São Marcos, no relato sobre o batismo de Jesus e aparece também em São Mateus (cf. Mt 28,19), em São Lucas e em São João; além disso, podemos encontrar numerosas afirmações trinitárias nos textos de São Paulo. O testemunho trinitário está sólidamente enraizado na comunidade cristã primitiva, que sintetizou nessa fórmula o resultado de uma nova reflexão sobre Deus baseada nas experiências vividas junto a Jesus de Nazaré. Os discípulos haviam escutado os ensinamentos de Jesus e haviam sido testemunhas de seus atos, muitos deles prodigiosos. As palavras e as ações de Jesus haviam revelado que o Deus Único e Todo Poderoso é, sobretudo, um Deus de amor, que é para todos como um pai. Haviam sido testemunhas de que existia uma relação especial de filiação entre Jesus e esse Deus Pai. Após as horas amargas da prisão, processo e crucifixão de Jesus, foram testemunhas de sua ressurreição, que foi um fato real para os discípulos, e que suscitou de novo a pergunta sobre a autêntica identidade de Jesus, que se converteu desde então em Cristo. E finalmente quando o Ressucitado deixou de aparecer diante dos discípulos, eles experimentaram igualmente uma força interior que os impulsionou a propagar sua fé, e entenderam que, de uma manera distinta, Jesus o Cristo seguia presente entre eles dando as forças que antes não tinham. Todas essas realidades que os primeiros discípulos foram testemunhas deram lugar a uma nova visão de Deus, que Ele é ao mesmo tempo Pai, Filho e Espírito Santo.

O Antigo Testamento já falava de Deus como Pai. Também o conceito do Espírito de Deus figura repetidamente na Biblia desde suas primeiras páginas: na Bíblia o espírito é o princípio vital do homem e o Espírito de Deus é a força, o poder divino que todo cria, conserva, dirige e conduz. Os seguidores de Jesus conheciam essas idéias e atuando sobre elas, suas experiências de Jesús de Nazare revelou a eles a existência de Deus com três rostos distintos, Pai, Filho e Espírito:

a.- Deus “Pai”: Os exégetas neo-testamentários se mostram unânimes ao afirmar que a invocação de Deus como Pai (abba, em aramaico), além de ser um gesto próprio de Jesus, pertence ao que foi denominado "ipissima verba de Jesus", as palavras sem dúvida alguma pronunciadas sem por Ele. É o próprio Jesus, e somente Ele, que nos mostra Deus como Pai e nos ensina a orar dizendo “Pai Nosso”. O termo Pai designa Deus como um Ser de rosto pessoal concreto, que tem um nome e pode ser chamado por ele. Definitivamente não há dúvidas de que essa apelação a Deus como Pai não é uma especulação teórica mas que se conecta diretamente com os ensinamentos de Jesus.

b.- Deus “Filho”: Os que seguiam a Jesus observavam que “ensinava como quem tem autoridade”, que tinha poder sobre os demônios, que curava aos enfermos, que perdoava os pecadores, que estava acima do sábado, que questionava as normas sobre o ritual de purificação e o templo, que corrigia os mandamentos da Lei, que invocava a Deus de uma maneira particular e íntima como seu Pai. Tudo isso revelava que Jesus estava revestido de uma autoridade especial e que o identificava como um enviado de Deus, superior a Moisés e aos profetas. Por isso, antes de sua morte, as pessoas perguntavam sobre sua identidade, pergunta esta que recebia diversas respostas. Após sua morte, Deus o ressucitou e Jesus apareceu a seus discípulos. Este fato excepcional abriu os olhos de seus seguidores, eles compreenderam então que Jesus não era somente o Messias esperado (o Cristo), mas que sua relação com Deus era tão especial, tão íntima e irrepetível que verdadeiramente podia chamar-se Filho de Deus. Após a Ressurreição, Jesus se transforma na figura determinante e nenhum título dado parecerá desmensurado pela comunidade primitiva. Com o título de Filho de Deus expressou-se a união particular de Jesus com Deus que o permitia invocá-Lo como Pai, quiseram assim assinalar até que ponto Jesus de Nazare pertence a Deus, até que ponto está ao lado de Deus frente a comunidade e frente ao mundo, submetido somente ao Pai, constituido em definitivo o único representante de Deus e os homens.

c.- Deus “Espírito”: O Cristianismo primitivo se deparou com a dificuldade de expressar a presença real de Jesus Cristo com os cristãos uma vez que o Ressucitado deixou estar presente no meio dos discípulos. A resposta foi de que Deus e Jesus Cristo estão com os cristãos e a comunidade no Espírito. Não trata somente de permanecer na lembrança dos cristão, mas que a presença de Cristo na comunidade existia realmente na forma do Espírito. O Espírito Santo é, nas palavras de um conhecido teólogo, o Espírito de Deus, é Deus mesmo em força e poder de graça que conquista o interior, o coração do homem, que subjulga o homem inteiro e se faz íntimamente presente, dando de si mesmo testemunho eficiente ao espírito humano. Os primeiros discípulos experimentaram em seu interior a força de Deus e de Cristo na forma do Espírito, e essa força os impulsou a levar o Evangelho a todo o mundo.

Com o transcorrer dos séculos, e certamente com a finalidade de esclarecer as interpretações pouco corretas, os distintos concilios desenvolveram e explicaram a doutrina da Trinidade empregando conceitos próprios da época que hoje talvez nos pareçam complicados e fora de nosso tempo. E, não podemos esquecer que talvez esse desenvolvimento, em seu dado seu momento, foi mais fácil e que a primeira comunidade cristã em sua origem, em sua confissão trinitária de Deus, não fez outra coisa senão narrar com simplicidade, a luz de todos os acontecimentos de Jesús de Nazaré, que haviam descoberto três rostos distintos em um único Deus e que na qual havia lhes revelado de uma maneira irrepetível e surpreendente.

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